Desde algum tempo se diz que no Rio Grande do Norte não há mais
indígenas. E também já faz tempo que disseminava esta informação durante
minhas palestras para professores porque confiava nos dados fornecidos
pelo órgão oficial e outros institutos. Até brincava com o fato das
pessoas sempre imaginarem que um dos únicos estados brasileiros que não
tem a presença de indígenas é o Rio Grande do Sul. A maioria das pessoas
acreditam que lá – por conta da colonização européia forte e excludente
– foram exterminados todos os indígenas. Não foi bem assim a história.
De qualquer forma este sempre foi o imaginário popular.
Depois de
algum tempo mudei a tônica de minha fala ao referir-me ao tema. Na
verdade passei a incluir a palavra “supostamente” quando me referia à
questão. Deixava subentendido que havia possibilidade de existir sim
algum povo ainda “ocultado” em função das disputas de terra.
Os
povos indígenas do nordeste foram os primeiros a serem “descobertos”
pelos europeus. Por conta disso foram perseguidos e exterminados ao
longo do processo colonizador. Quem fosse pego definindo-se como “índio”
era fatalmente detonado da convivência social. Em função disso muitos
grupos foram dispersados e os poucos que se mantinham vivos tinham que
se “civilizar” para serem aceitos socialmente. Com isso acabavam
esquecendo a própria língua, suas histórias, suas memórias ancestrais,
seus rituais, cantos sagrados e crenças.
O tempo passou e o que
parecia ter sido perdido no passado longínquo mostrou-se atual. Grupos
inteiros estão buscando resgatar suas identidades esquecidas num
movimento sociológico muito interessante e consistente. Estes grupos –
povos ressurgidos, povos resistentes, para citar algumas denominações –
passaram a reivindicar seus direitos históricos. Afinal, foram vítimas
de uma história muito mal contada.
Estou dizendo isso porque há
alguns dias atrás, enquanto participava do Encontro da Diversidade, um
mega evento organizado pela Secretaria da Identidade e Diversidade (SID)
do Ministério da Cultura[i], conheci Maria Ivoneide. Quem é ela? É uma
indígena do Rio Grande do Norte. Ali estava a prova da existência de um
povo antes negado. Ivoneide chegou-se a mim, apresentou-se. Disse que me
conhecia. Fiquei lisonjeado. Argui algumas questões e fiquei sabendo
que há mais de 10 anos estão pleiteando o reconhecimento de seu povo
junto aos órgãos competentes. Alguns avanços já aconteceram. Nada
vultoso. Um começo.
Descobri, então, que o nome de seu povo é
Amarelão. Fiquei curioso. Por que este nome? A mim parecia uma
invencionice. Não disse isso a ela. Apenas especulei. Ela explicou-me
que o nome é oriundo de uma antiga tradição que lhes foi contada por
seus velhos avós. Ela contou, então, uma história.
Segundo o
costume dos antigos, os homens da comunidade – quando a noite se fazia
alta – saíam floresta adentro para buscar o sol. Ficavam nessa função a
noite toda e quando o dia se avizinhava voltavam e anunciavam para toda a
comunidade: Lá vem o Amarelão! Lá vem o Amarelão!
Era uma referência ao sol que, àquela hora, já mostrava sua pujança.
Fiquei fascinado! Era uma história que tem tudo a ver com o pensamento
mítico indígena. Senti que Ivoneide ficou feliz em me contar. Entendi o
nome. É assim mesmo que os indígenas dão nomes às coisas e a si mesmos.
Ela ainda me confidenciou que antropólogos explicam o nome dizendo
tratar-se de doença que descoloria a pele dos infectados. Nós dois
rimos. É uma explicação racional de quem tenta explicar o inexplicável!
Típico do ocidental!
O Povo Amarelão entrou no meu repertório. Rio
Grande do Norte tem um povo. São cinco comunidades. Aproximadamente mil
pessoas. A sociedade brasileira pode entender que não são “índios
verdadeiros”. Não importa. O Amarelão (sol) sabe. Isso é que vale
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